26 de mai. de 2011

Cap 25: À primeira vista

Carregando o caixão, lado a lado, os filhos.
Na frente, a mulher caminha.
Silenciosa. Seis anos de dedicação e morte, morte sua.
Quando a rosa caiu sobre a madeira do caixão, ela sentiu aquilo como um ponto. O ar entrou mais fresco em seus pulmões e trouxe o cheiro esquecido das flores.
Seus filhos conversavam em voz baixa a alguns metros dali:
__ Estou com medo.
__ Medo de quê?
__ Dela.
__ Ela ficou sentada ao lado da cama desde o derrame dele.
__ Já ouvi histórias de que quando um vai, o outro logo vai junto...
__ Não, não a mamãe. Ela é uma pessoa tão...
__Tão... Boa.
__ Isso! Boa.
__Sempre tão...
__ Tão... Tão dedicada.
__ O que eu ia dizer... Dedicada.
Conheciam muito sobre a mãe, nada sobre a mulher.
Quatro meses já se foram e a roupa preta voltou ao armário.
A mulher abriu a janela e regou as plantas.
__ Dia, Seu Zé...__ sorriu para o vizinho que lavava a calçada.
__ Dia.__ ele reparou-lhe que tinha a boca pintada.
__ Está fazendo um calor brabo esse ano.
__ Isso é...__ o homem ainda olhou bem, para ver se não era apenas um efeito do sol, não era, era mesmo um vestido florido que ela vestia.
__ Alô, Beto? Beto, a mamãe não está bem.
__ Não? O que aconteceu?
__ Acho que ela não conseguiu acreditar que o papai morreu.
__ Como é?
__ Não sei se é o caso de levarmos ela num analista.
__ Ela esclerosou?
__Estou um pouco chocado, acabei de voltar de lá.
__ Que é? A mamãe não sai da cama?
__ Pelo contrário! Ela parece que não deixou a ficha cair que o papai morreu! Ela está toda arrumada, como se fosse para festa agora.
__ Não é possível.
__ E está com aquela sandália alta de ir à missa.
__ Então, o caso é sério mesmo!
__ E não pode nem imaginar o que ela perguntou à minha filha Eliza.
__Ai, fala de vagar, o quê?
__ Se tem aula de hidroginástica na academia dela!
__ Jura? Isso só piora as coisas. Quando tudo vir à tona, ela pode até enfartar, será um golpe fulminante, nem quero pensar, Zeca!
__ O que faremos com ela?
__ Calma, a gente tem que ajudar a mamãe! Eu vou dar um pulo lá, à noite, com a Mariza.
Ao empurrar o portão, ele chocou-se com o que viu. Não pensara que as coisas poderiam chegar àquele ponto. Leu umas quatro vezes o que dizia a placa.
__ Sua mãe está dando aula?__ Mariza perguntou ao marido.
__É, ela já foi professora de literatura.
__ Nunca me disse isso. Pode ser muito bom para ela.
__ Bom?__ ele tentou não gritar de raiva.
__ Acho que você não está encarando o fato de que quem morreu foi seu pai e não a sua mãe.
__ Mas só faz um mês!__ irritou-se pela mulher não conseguir ver o que lhe parecia tão claro.
__ E o que prefere? Quer que sua mãe fique desfilando de preto por aí, feito manequim de funerária, e carregando uma vela de sétimo dia?
__ Com licença, é nessa casa da frente que mora a professora de português?
Os dois interromperam o início daquela discussão e olharam para a dona da pergunta.
Ele não soube o que responder, também estava querendo saber sobre essa nova mulher, agora sentia-se tão estranho quanto aquela mocinha.
Ao virar a chave, a porta abriu-se para uma sala com dois rapazes e três garotas sentados à grande mesa. E a mulher, em pé, falava sobre poesias e escritores.
__ Na prova caiu esse texto aqui.__ Uma das garotas estendeu o braço e mostrou o papel. __ Eu não entendi porque ele é classificado como barroco.
__ Hum, deixa eu ver... Quando vir que é Gregório de Matos, tem uma boa chance de ser barroco. E tem uma figura aqui de linguagem, a antítese. Lembra o que é isso? Coisas opostas, como “prazer e pena”. Tem uma luta de forças nesse trecho, dá para sentir. Eu vou ler para você: “ O prazer com a pena se embaraça; porém quando um com o outro mais porfia, o gosto corre a dor apenas passa”.
__O que é esse troço? Porfia?__ perguntou um rapaz.
__Tá escrito aqui, burrão. Significa competir.__ a garota sentada ao lado do rapaz lhe deu um leve safanão na cabeça e todos riram, enchendo a sala de uma sonoridade há muito tempo não ouvida.
Olharam para a porta e a mulher virou-se curiosa.
__ Oi, meu filho, está aí? __ estendeu-lhe a mão para a benção.
O homem olhou-a longamente. Dentro daquela senhora, que se acostumou a ver sentada com seus tricôs, ainda havia a jovem do retrato de casamento da parede da sala. Jovem inteligente e bonita que apenas dormia.
__ Vim só te ver, mamãe. __ Beijou-lhe a testa.
Na verdade, ele a viu pela primeira vez.

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