26 de mai. de 2011

Cap 9: A arte da corporificação do amor

Isso não é arte. Foi o que pensei quando estava diante dos relevos espaciais de Hélio Oiticica, numa das minhas aulas da faculdade de jornalismo. Para mim, museu era uma casa antiga cheia de quadro de gente que sabia fazer retrato com tinta. Muito menos considerei arte aquela máscara de Lígia Clark com umas bolinhas de isopor para passar em cima das pálpebras.

A vida é uma oportunidade de revermos nossos conceitos.

Quando HO pintava, ele sentia que a pintura não poderia ficar aprisionada dentro do quadro e, então, resolveu tirar a moldura. Ainda não satisfeito, ele pegou seus desenhos geométricos e construiu sólidos que ficavam suspensos no ar, como móbiles. A arte precisava ser e não representar, no espaço a pintura de HO era.
O amor também não fica aprisionado dentro da moldura do coração, ele transcende as paredes da alma e se espacializa no ser amado.

E as máscaras de Lígia agora ganham todo sentido para mim. Quando aquelas bolinhas de isopor roçavam os olhos, elas conferiam o tato à um órgão que era tido apenas para a visão.

Exatamente o que ocorre com a arte da corporificação do amor.
Quando duas pessoas que se amam estão juntas, os cincos sentidos trocam de lugar, e talvez essa seja uma das explicações para aquela sensação da inexistência do mundo, uma maravilhosa energia girando em torno, uma alegria que chega a fazer cócegas e um tempo que se estende de vagar.

Enquanto ela fala, o outro desce com o olho pelas curvas do seu rosto, escorrega pelo pescoço, caminha pelos ombros, descansa nas mãos que repousam sobre o tampo da mesa, trilha os meandros dos cachos do cabelo que balançam com o vento. O olho toca. Visão é ver o que todo mundo vê. O olho de quem ama sente o que vê, por isso toca.

Ela, então, sente, no menor movimento de proximidade dele, seu cheiro, e isso a faz perder totalmente a seqüência lógica das palavras. Uma imagem mental é produzida quando o odor do outro a penetra, formam-se aqueles quadros abstratos, pixados, com a tinta em relevo, onde o preto, o vermelho e o amarelo se misturam. Um sentido inconsciente de prazer inexplicável. Porque não é o olfato, cheiro tudo tem, mas o do amado não sai dos pulmões sem antes perfumar a alma.

E uma vez perdidas as palavras, usa-se a boca para outras conversas. Conversas sem assunto, respostas que têm gosto. Enquanto os lábios deslizam e dançam em torno do outro, um diálogo de confissões se estende. Beijo com gosto de café, bala de hortelã, sorvete, chocolate, vinho. O melhor é o beijo de quem se ama, porque não precisa de nada para ser inesquecível.

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