26 de mai. de 2011

Cap 21: Terceiro olho

Ao abrir o portão do apartamento, ela ouviu o marido chamar. Ela tinha esquecido a carteira. Deu-lhe um beijo rápido em agradecimento e virou-se para abrir a porta do carro.

Enquanto passava o batom olhando-se no espelho, observou algo que lhe chamou a atenção. Uma mulher à janela, no segundo andar. Deveria ser a inquilina nova, não conhecia. Perguntou-se o que ela olhava tão fixamente. Na direção daquele olhar só existia um alvo: o marido. Mas não era nada, deixou para lá.

No dia seguinte, o mesmo olho fixo e o marido. E na outra semana nada mudou. Só pode chegar a uma conclusão: “ele está me traindo com ela. Sim, porque ele já até esqueceu de me dar o beijo de despedida e, à noite, chega e vai direto para as panelas. Reparou que o marido nem mais lhe falava do seu tempero, ou da calcinha nova. Era isso: não reparava mais nela, mas na outra!”

Tinha agora a absoluta certeza: a mulher da janela era a amante.
Isso não ficaria assim. Revidaria na mesma moeda!
Não demorou muito para o marido também desconfiar das traições da mulher. O primeiro bilhete achou ao pé da porta, supostamente jogado por alguém que queria zombar dele, foi o que lhe restou concluir. “Sua mulher me deixa louco!”, “Eu faço melhor que você”, “Ela é maravilhosa”.

O marido ficou com a vaidade arranhada, confiava cegamente nela e a considerava unicamente sua, com olhos só para ele. Mas já deveria ter percebido isso antes, porque ela já até se esquecera do beijo de despedida e, à noite, dava toda a atenção para as novelas, nem mais lhe perguntava sobre a empresa.
Tinha agora a absoluta certeza: o homem do bilhete era o amante.

Assim que ela chegara em casa, pensou em fazê-la engolir cada papel daquele. Mas ao olhá-la, lembrou-se dos bilhetes: “Eu faço melhor que você”, “Sua mulher é maravilhosa!”. Aquilo o levou a sentir-se vivo, numa mistura de sentimentos que ele só podia comparar à sensação dos primeiros meses de namoro dos dois, há tantos anos.

Olhou-lhe as pernas naquela saia comportada, o rosto jovem cansado atrás dos óculos de aros finos, as mãos de dedos longos que segurava a pasta. Não se conteve e a puxou para si. Nem deu tempo para que ela desse qualquer exclamação de surpresa. Cheirou-lhe o cabelo sedoso, desfiou-lhe a meia calça com sua pressa. O êxtase fez os poros transbordarem de suor e depois tudo voltou à calmaria e ao silêncio. Ali, juntos no sofá, ele beijou-lhe o beijo de cinema, aquele que em que se esquece o tempo, o filme e o mundo. Acariciou seu rosto, com a gentileza dos primeiros anos de descoberta. Cansado, fechou os olhos, mas ainda a manteve segura e presa nos seus braços.

Enquanto tinha aquele corpo pesado sobre o seu e lhe mexia nos cabelos, ela amou-o com uma pontada de tristeza. Tristeza de não ser a única.
Ele, que não dormia, sentiu-se mortalmente inseguro, não bastava para ela.

Quando o dia amanheceu e ela já tirava o carro da garagem, ouviu uma voz. Virou-se, era o marido com um papel na mão.
__ Deixou isso cair no chão ao lado da lixeira.__ ele disse com a voz mais fria que ela já ouvira.__ É um rascunho. Então, era você que mandava aqueles bilhetes!
Ela sentiu-se infantil por sua atitude desesperada, mas tinha justificativas para isso:
__ Você não reparava mais em mim! Só devia estar tendo olhos para a sua amante, ou pensa que eu não sei?
__ Como é que é?__ ele fez uma careta de surpresa.
__ Você e ela!__ apontou para a janela. __ Eu via o jeito fixo que ela olhava para você quando você tirava o seu carro da garagem e isso me matava sabia? __ Sentiu a fragilidade trazer as lágrimas à tona.
Ele riu de todo aquele mal entendido:
__ Eu nem sei do que está falando!
A mulher conhecia quando ele falava a verdade.
__ Então nunca...?
__ Nunca!

Agora fora sua vez de rir aliviada.
Ele abraçou-a e novamente sentiu como se tudo dentro dele voltasse ao lugar e aquele estado de insegurança deu espaço para um amor mais vivo. Beijou-lhe o pescoço e aspirou o perfume bom que sempre gostava nela e lhe disse as bobeirinhas já esquecidas, ao ouvido, só para ouvir aquela risadinha.

__ Com licença, vocês moram aqui?__ ouviram uma voz.
O casal virou-se. Era a mulher da janela.
__ É, moramos no 304. __ o homem respondeu.
__ Ah!Prazer, me chamo Rosa.
__ Prazer.__ ele estendeu a mão em cumprimento, mas Rosa estendeu a sua na direção da mulher, que sentiu uma pontada no coração.__ Eu tinha que comprar um saco de ração para o meu gato Félix. A minha irmã saiu para trabalhar... Então... Vocês poderiam me ajudar a atravessar a rua?_ pediu a mulher, cega.

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