26 de mai. de 2011

Cap 22: Tempo pára passa tempo

6:00:00. Levanta da cama. Liga a escova elétrica. Liga a cafeteira. Liga a torradeira. Liga o espremedor de laranja. Liga a lava-louças. Liga o celular. Abre a agenda eletrônica. Liga o carro. Liga o rádio. Liga o ar condicionado. Sobe no elevador. Liga luz. Liga o ar condicionado. Liga computador. Liga apontador elétrico. Liga marmitex. Recebe o fax. Faz telefonema. Manda e-mail. Desce elevador. Liga o carro. Liga o ar condicionado. Liga o rádio. Liga a luz. Liga o microondas. Liga o cortador de legumes. Liga o triturador. Liga o liquidificador. Liga o forno elétrico. Liga a máquina de lavar. Liga a secadora. Liga o aspirador de pó. Liga o chuveiro elétrico. Liga a escova elétrica. Deita na cama. 11:00:00.

As pessoas especulam, e já até há muitos filmes de ficção científica, sobre a possibilidade de o mundo ter robôs além de seres humanos como forma de vida. Procuramos no futuro o que já é presente. Nós viramos máquinas que respondem com a maior precisão, são práticas, próprias para qualquer ambiente. É o mundo que nos domina, não nós dirigimos o mundo.

Vamos a tese:
1- O trânsito está caótico, dois caminhões tombaram na pista, seu carro virou um barco em meio ao rio que se transformou a avenida. Você:
a) liga o som, recosta-se no banco, respira fundo e pensa na vida;
b) imediatamente pega o jornal que está no banco ao lado e começa a lê-lo para não perder tempo;
c) liga para seu patrão, para o banco, para a empregada...
d) b e c ao mesmo tempo.


2- Final de semana. Você:
a) dorme o dia inteiro, toma café da manhã na hora do almoço, dorme a tarde e quando estiver super cansado de não fazer nada dorme mais um pouco.
b) passa o dia no computador pondo todos os relatórios e trabalhos em dia e come aquele pedaço de lasanha de microondas e bebe refrigerante diante da telinha.
c) lê o jornal enquanto ouve o rádio e finge que vê a televisão.
d) põe b, c na agenda em ordem de realização para que nada corra o risco de não ser feito.


3- O concurso muito importante que pode mudar sua vida está para chegar. Você:
a) estuda o que não sabe e o resto do tempo se diverte, afinal, auto-confiança é tudo.
b) vai para o banheiro com o livro, lê a revista no ônibus, lê o jornal na beira da piscina, escreve todas as fórmulas em várias folhas e espalha pelas paredes, escuta todos os telejornais.
c) passa o dia no curso, nos intervalos revê o que não foi entendido, no almoço come rápido para dar mais uma olhada na apostila. Em casa revê o revisto do revisado antes de dormir.
d) Concorda com o a, não esquece do b e por que não fazer o c?

Se você chegou aqui a tese está comprovada. Não. Não tem aquela tabelinha: “se a maioria das respostas foram ‘a’ some um ponto...” Porque a pessoa que se preocupa se o que faz é certo ou não é a filha do tempo moderno, filha do não poder errar, não poder desperdiçar.

O tempo ainda é dividido em horas, que é dividido em minutos, que por sua vez é dividido em segundos. Porém, a quantidade de coisas que se é capaz de fazer em segundos, que antes era feito em minutos e antes do antes era feito em horas só cresce. E nós invertemos nossa noção do que é demorar. Por exemplo, se alguém pedir para esperarmos um minutinho no telefone, que sempre é mais de um minutinho, nós aceitamos a tarefa sem muita irritação. Mas se ficarmos trinta segundo esperando uma página da Internet abrir, o pé começa a balançar, a gente bate com o lápis no tampo da mesa, se balança na cadeira e mexe no cabelo numa impaciência roedora.

Desde pequenos somos ensinados que tempo é dinheiro, que tempo é precioso, que tempo passa. E dentro da lógica frenética do tic tac tic tac vivemos o máximo de coisas no mínimo de tempo, quando deveria ser o mínimo de coisas no máximo de tempo para que a contemplação de uma paisagem levasse a profundos devaneios, que a alma conseguisse vaguear pelos meandros do pensamento e buscar nele pessoas e coisas que nos fazem sentido. Só que para isso hoje existe uma máquina fotográfica em qualquer celular. Que cachoeira, clic, que pôr-do-sol, clic, que jardim, clic, que catedral, clic, que praia, clic. Olhamos menos com o visor do coração do que com nossos olhos digitais e perdemos a essência do ser humano, que é ser sensível.

A tecnologia faz o mundo ficar tão pequeno e as pessoas tão distantes. Dentro de casa a mocinha ouve seu walkman no quarto vendo tv e lendo seu e-mail na internet. Na sala o pai assiste seu DVD e o filho joga seu Playstation, enquanto a mãe no escritório trabalha no seu laptop. Casas dentro de casas. Estranhos parentes desconhecidos. O amor se perde, vira apenas tema de filme na estante.

Nas gaiolas de concreto, com suas câmeras, raio-laseres, alarmes e portões eletrônicos, os animais somos nós.

Corremos para chegar em ponto no trabalho e esquecemos de correr para os braços de quem amamos todas as vezes que chegamos em casa, corremos para passarmos o fax à tempo e abandonamos as cartas à mão aos amigos distante do corpo e perto do coração, corremos para entregar aquele relatório complexo de números e teorias quânticas e não observamos os desenhos-relatório de nossos filhos pendurados na geladeira falando um pouco sobre o como é difícil crescer, corremos para o jantar de negócios com os novos compradores das ações da empresa e nossos amores ficam sem jantares a luz de vela, corremos para comprar a gravata de grife para o patrão e quem sabe ganhar promoção e a esposa em casa dorme todo dia sem a sua flor e sem seu beijo, coração.

Não é amanhã o melhor dia para capinar o jardim e perder a pelada para o filho de cinco anos, porque o amanhã nunca chega para aqueles que não conseguem ser donos da sua própria agenda. A bíblia não é o livro mais vendido no mundo, o mais vendido é a agenda, livro sem texto, mas que é seguido religiosamente pelos os fanáticos temporais que tem como maior pecado cobiçar o tempo das inutilidades imprescindíveis.

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