26 de mai. de 2011

Cap 19: Per-doar

Nós atravessamos a vida crendo, mesmo que no fundo negando para nós mesmos que cremos, no mito da perfeição. A cada vez que iniciamos uma amizade, um relacionamento, temos consciência de que o outro pode errar, mas esperamos que isso não vá acontecer conosco, porque não merecemos. E fatalmente acontece. Surge ai, em letras garrafais, o questionamento: “MAS POR QUE COMIGO, SOU TÃO BOM?”. Rasga-se o abismo no solo da união, uma fronteira entre o que falhou e o que sofreu o desapontamento. O primeiro foi vítima da sua própria natureza, o segundo esqueceu da sua e passou a cultivar a mágoa dentro de si com o adubo do ressentimento.

Mas na mesma natureza que advém o defeito também há qualidades. Porém, do que servem mil qualidades se basta uma falha para cavar o vale? Aberta a fenda, só resta a ponte. Mas construir a ponte implica entregar-se a uma nova possibilidade de ser vítima. Ponte esta batizada perdão. Per-doar é se doar ao outro por uma segunda vez, apesar de já conhecermos como é a mágoa do desapontamento.

Sabíamos que o outro era passível do erro, agora há a certeza, a partir daí o doar cede lugar ao acumular. A cada vez que re-sentimos mentalmente a cena, acrescentamos a ela uma nova dose de dor. A angústia só cresce e sufoca, engorda e pesa na cabeça. A paz vira tormento e nos pegamos colocando o pote de açúcar dentro da geladeira e a garrafa de água dentro do armário. Os atos parecem serem guiados por ordens confusas, alheias a nós. Tudo porque toda nossa energia psíquica converge naquele pensamento pulsante: ele me feriu.

As palavras são as tábuas que podem construir a ponte. Basta martelar o “desculpa” e o “eu reconheço que errei” com os pregos do “eu entendo”. Mas é preciso amarrar a ponte para que ela fique segura dos dois lados e esse não é um trabalho que pode ser feito por um só. Então, no abraço silencioso, em que novamente um se doa ao outro, os espíritos voltam a serem leves, o peso enorme enfraquece diante do milagre da reconciliação.

Já haviam se esquecido de como era reconfortante o calor daquele contato em que os inimigos novamente sorriem, agora ir-mãos, cada um pode pegar a mão do outro e segurá-la firma para continuar a caminhada de onde haviam parado.

Infelizmente o orgulho faz algumas pessoas crerem que a ponte não sustentará a travessia e cada um fica de um lado, olhando de vez em quando além abismo e concentrando sua atenção apenas na falha. Essas, certamente não deram primeiro uma chance a si mesmas e esqueceram de suas naturezas.

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