26 de mai. de 2011

Cap 18: Palavreando

Não diga a ele que o ama, nem vá se entregando de uma vez; também não dê o braço a torcer; muito menos deixe que percebam que você está morrendo de medo. Conselhos assim todos já ouvimos algum dia. As palavras têm um poder de materializar o nosso eu com tanta potência que para muitos o melhor caminho é evitá-las, outros preferem abusar.

Para mostrar que somos fortes e superiores não nos verbalizamos. Pois no nascer de cada palavra, na sua nudez, está a gênese da nossa frágil essência humana. Por que calar as tolas declarações de amor, sufocar os versos mais caretas, cantarolar a música mais cafona se, muitas vezes, é apenas disso que o ouvido do outro anseia por ouvir? Quando nos fazemos em letras e sons permitimos que quem está ao lado abra a porta da nossa alma e entre nela para ver nossa casa interior e sentar na sala do nosso ser. A visita pode ser prazerosa e amiga, ou incomoda, e por não saber se a melhor escolha é arriscar e convidar,fechamos-nos no silêncio e moramos solitários.

Há palavras necessárias e momentos de mudez indispensáveis. Gracinhas ao pé do ouvido e pequenos elogios encurtam distâncias entre as almas, porém, há horas em que falamos com as mãos que tocam e com os olhos que produzem os melhores textos retinianos. Nós seres humanos temos a necessidade de ouvir o que já sabemos, seja um “eu te amo”, “como você está linda hoje”, ou “pensei em você”. Aqueles que levam a vida pela razão e negligenciam palavras podem estar abrindo vales em lugar de construir pontes.

Porém, há horas em que o silêncio basta, como após o gozo do amor, em que não é preciso representar fisicamente a imaterialidade do sentimento suspenso no ar, porque os olhos que se sorriem cuidam do mesmo efeito.

As mesmas palavras que acariciam arranham. Como se cada uma fosse um ingrediente que, dependendo da receita, produz o mais saboroso ou o mais insípido prato. Com elas atiramos no outro e fazemos furos em seu ser. Mas antes falar, que se amargar. Se casais dissessem exatamente o que lhe ocorrem, sem eufemismos covardes e redundâncias medrosas, não se abririam lacunas no quarto, no carro, na mesa, na casa, na alma.

Nas crianças mora a espontaneidade de quem fala que o vestido da tia está horrível, que o cabelo da visita parece uma moita, que não queria ganhar a camisa, mas um carrinho, que acha o namorado da irmã um chato, que está com vontade de mijar bem na mesa do restaurante, que fala que está com fome na casa de um estranho. E tudo soa quase que indecente para nós “os morais adultos”, que já fomos um dia assim, mas que, graças às “boas” regras, fomos “domesticados” a dizer que o corte do vestido é ousado, que o penteado tem um estilo próprio, que estávamos precisando mesmo da camisa, que o namorado da irmã é uma pessoa difícil de se lidar, que temos que ir ali (no banheiro) e já voltamos, que comemos alguma coisa assim que saímos de casa, quando na verdade estamos com aqueles dois dedos de café desde de manhã.

Passamos boa parte de nossos dias sendo e dizendo o que o outro não se incomodaria de ouvir. Mas as palavras têm que incomodar também, para provocar mudança, crescimento, indignação, superação. O fim do que poderia ser o melhor dos relacionamentos começa quando, por um dito “amor”, se omitem as menores verdades que vão se juntando e formam a repulsa. Bastava ter dito que aquela carícia não agradava, que o futebol era uma hora sagrada, que escolher o vestido no armário requer um estudo apurado e avançado de combinatória. Se isso fosse levado como importante e palavreado, o outro aprenderia a respeitar a linha limite entre as diferenças que mora dentro de cada um.

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